19 de jun. de 2011

Liberdade de expressão das crianças vs. interferência da escola

Liberdade de expressão das crianças vs. interferência da escola
Adriana Friedmann


“... a principal função dos limites ou fronteiras é dividir.
No entanto, a despeito dessa tarefa primordial
e do seu propósito explícito,
limites não são puras e simples barreiras
– elas próprias e aqueles que as impõem não podem deixar
de fazer das fronteiras ‘interfaces’ que unem,
conectam e confrontam os lugares que separam.”

(Bauman: 203:2011).

Crianças e jovens encontraram nas redes sociais o caminho de expressão que não têm tido, em muitos casos, no seio das suas famílias, dentro da escola ou em outros espaços fora dela. Em princípio, parecem ser as redes, o espaço reservado para seus segredos – ou a ultra-exposição dos mesmos -, descoberta de novas possibilidades – e algumas perigosas também -, ampliação de relações sociais, expressão de suas raivas e revoltas, adesão a grupos com os quais encontram identidade ou ideais comuns. Digo ‘parece ser’ pois o que vemos hoje noticiado no jornal Folha de São Paulo ‘Escolas se intrometem no que aluno faz em rede social’ é um indício do outro lado da moeda e da reação que as instituições estão tendo com relação a atitudes que, aparentemente, não teriam como ser controladas.
Claramente as redes sociais constituem um respiro de liberdade para estes jovens e, muitas vezes, mergulhos em universos desconhecidos. Mas será que as escolas têm direito a interferir desta forma? Há grande ‘medo’ por parte dos adultos de perceber o quanto estão perdendo o ‘controle’. Estamos no século XXI e não há mais volta: pais, educadores, escolas precisam transformar esta ânsia de controle e castigo, e perceber o quanto é oportuna e interessante esta brecha que crianças e jovens estão deixando: não para proibir, castigar, expulsar a criança e o jovem, mas para OUVIR o que eles estão dizendo, do que eles estão reclamando, o que eles estão criticando, e pensar como chegar mais próximo desta geração para dialogar.
Não há dúvidas quanto ao perigo da exposição ‘sexual’ destes jovens através das redes; nem quanto ao bullying praticado (que não ocorre somente via redes sociais) entre pares ou com outras pessoas. Mas se olharmos desde um outro ponto de vista, no sentido da possibilidade que temos de compreender os medos, angústias, válvulas de escape, vocabulário, temas, etc. que estes jovens estão vivenciando, poderemos pensar em outras vias de ação e não no castigo, na expulsão ou na repressão como única solução. Quanto mais se proíbe alguma coisa, mais o ser humano vai atrás para entender a razão da proibição.
Que tal aproveitar estas brechas para falar de ética, de respeito, de construção coletiva de regras?
Que tal aproveitar estas atitudes e conteúdos veiculados por estas gerações para repensarmos as nossa próprias atitudes e tentarmos compreender do que eles estão falando?
Se as crianças e jovens têm se aproveitado das redes para postar respostas de provas e exercícios, porque não repensar e inovar nas metodologias de ensino aproveitando este recurso?
Se as crianças e jovens têm se aproveitado das redes para se organizarem coletivamente, porque não ouvirmos o que têm a dizer? Afinal, há quantas gerações nossos jovens estão indiferentes e sem causas pelas quais lutar ou se revoltar, o que é um traço típico da adolescência?
De todas as formas, as crianças e jovens descobriram nas redes sociais a possibilidade de falar e ‘aparecer’ de alguma forma.
Esta é a oportunidade de não somente sermos ‘amigos virtuais’ deles nas redes, mas amigos e verdadeiros educadores no sentido de dar ouvidos ao que eles têm ‘gritado’ e repensar nossas práticas e atitudes.
Temos possibilidade de transformar as práticas educacionais e humanizar as relações com crianças e jovens. Temos a possibilidade de dialogar – e eles estão pedindo por isso de todas as formas. Não deixemos passar este desafio!

‘Fronteiras (materiais ou mentais, feitas de tijolo e cimento ou simbólicas) intercomunitárias ... se tornam às vezes campos de batalha onde se despejam receios e frustrações comuns, de várias origens; mas também, de forma bem menos espetacular e muito mais consistente e original, constituem oficinas de criação para a arte da convivência; canteiros onde sementes de formas futuras de humanidade (consciente ou inconscientemente) são cultivadas.
(Bauman, 205:2011).

Sugestão de leitura: “44 Cartas do mundo líquido Moderno” – Zygmunt Bauman, Zahar, 2011

17 de jun. de 2011

PESQUISAS COM CRIANÇAS

Desenvolvimento de Pesquisas com crianças: partindo de necessidades específicas de cada instituição e das falas verbais e não verbais das crianças, o Núcleo de Pesquisas NEPSID desenha propostas mais adequadas de atendimento para cada grupo ou instituição.
Interessados entrar em contato pelo e-mail nepsid@globo.com

8 de mai. de 2011

UM GESTO DE AMOR

Conheça esta importante inciativa do movimento gestado na Venezuela em prol de crianças autistas e suas famílias. Inspire-se e contribua para criarmos uma rede internacional que sensibilize e ofereça informação e orientação a pais e cuidadores! redparacrecer Acceso: Alejandría7.6.5a9

UM GESTO DE AMOR

Conheça esta importante inciativa do movimento gestado na Venezuela em prol de crianças autistas e suas famílias. Inspire-se e contribua para criarmos uma rede internacional que sensibilize e ofereça informação e orientação a pais e cuidadores! redparacrecer Acceso: Alejandría7.6.5a9

4 de mai. de 2011

CONHEÇA AS PUBLICAÇÕES DA BIBLIOTECA E SITES INTERESSANTES SOBRE INFÂNCIA

Novidades!!


Na BIBLIOTECA estão disponíveis alguns documentos e referências bibliográficas sobre o Brincar
http://issuu.com/adriafried


E tese de doutorado de adriana friedmann 
'PAISAGENS INFANTIS: uma incursão pelas naturezas, linguagens e culturas infantis' 
www.issuu.com/adriafried/docs/tese_doutorado_adriana_friedmann_-_final


Comentários e impressões serão muito bem vindos!!

14 de mar. de 2011

CRIANÇAS ORGANIZADAS - vamos escutá-las?

Voltei de uma viagem ao Perú onde fui convidada a conhecer alguns projetos ligados a Infância. País muito pobre, com muitas necessidades, onde, para minha enorme surpresa, grande parte das crianças da maior parte das comunidades pobres, trabalha. Há sim uma lei contra o trabalho infantil, mas é fato que a mão de obra destas crianças é fundamental para a sobrevivência da grande parte das famílias: nas cidades, no interior, na selva. Trabalham vendendo balas nos ônibus, nas ruas, levando e trazendo trabalhadores ou turistas nas suas canoas, vendendo seja lá o que for. Mas, todas estão na escola!
Quanto mais necessidades e carências tem um país, parece que a criatividade e a mobilização são maiores. E foi neste país que fiquei emocionada ao saber que existem grupos de crianças organizadas para falar, reivindicar, criar campanhas, movimentos, abaixo assinados junto aos políticos, falar dos seus direitos, das suas carências. Crianças que levantam a voz porque apanham dos pais. Crianças que pressionam os políticos para que o tema da Infância vire prioridade nacional. Crianças que mobilizam seus pais e cuidadores para embelezar e se apropriar dos espaços públicos abandonados. Estas crianças organizadas, reúnem-se anualmente com crianças de outros países  para debater sobre seus direitos, suas angústias, suas necessidades, suas reivindicações. Convidam políticos, formadores de opinião e outros adultos para dialogar com eles. Trocam experiências e pensam caminhos para orientar tantas outras crianças. Criam cursos à distância utilizando suas próprias linguagens lúdicas, musicais, com fantoches e expressões plásticas, para outros grupos de crianças e jovens. Alguns adultos ajudam, os pais apoiam, agências financiadoras investem. Porque estamos, sim, vivendo novos tempos, em que dar voz às crianças é um caminho sem volta. E agora que elas começam a conquistar estes espaços, nós adultos precisamos reagir. Não se trata somente de escutar mas de acolher estas vozes e aprender a dialogar e a trabalhar junto com elas na formação e no investimento de gerações de crianças e jovens mais saudáveis, dignos, respeitados e comprometidos. Estas crianças têm muito o que dizer.  É nossa vez de escutar e refletir.

27 de fev. de 2011

INSPIRAÇÕES - QUEM FAZ A DIFERENÇA

Inauguro um novo espaço INSPIRAÇÕES (logo embaixo do quadro NEPSID, o acesso direto aos sites)- onde estarei publicando referências de QUEM FAZ A DIFERENÇA, ações desenvolvidas por pessoas e grupos realmente significativas que nos inspiram para a mudança, que é possível e necessária. Penso que para sairmos dos círculos de crítica e passividade é importante conhecer as histórias de como estas pessoas começaram - a partir da sua sensibilidade, de histórias de vida pessoal, da sua indignação, das suas verdades ou das suas habilidades. Sobretudo da firme decisão de que é possível transformar e com muita simplicidade. Não se trata aqui de propaganda, mas de sugestões para que o trabalho destas iniciativas seja conhecido e, principalmente, inspire outras ações.
Se você conhece outras iniciativas, poste seu comentário. Precisamos desta grande rede!

18 de fev. de 2011

UM DIÁLOGO NECESSÁRIO - SAÚDE E EDUCAÇÃO

UM DIÁLOGO NECESSÁRIO – saúde e educação

Assisti ontem uma palestra do meu amigo e colega André Trindade falando da importância do trabalho que vem desenvolvendo com corpo, gesto e movimento junto a crianças e adolescentes e seus professores. Ele colocou uma pergunta sobre a qual fiquei refletindo: “Quem olha para o corpo destas crianças?” E, ele mesmo respondeu: ninguém. Os dados estatísticos mostram os inúmeros problemas de dores por questões de postura errada de que tantas crianças e adultos são vítimas hoje em dia. E, sugere André, é necessário desenvolver programas preventivos. É neste ponto que faço minhas observações: parece-me tratar-se de um problema muito grave. Porque ninguém olha para o corpo das crianças? Porque não há uma cultura nem uma consciência com relação a postura, linguagem e movimentos corporais. Não estamos falando de esportes nem de corpos malhados. Estamos falando de prevenção a partir de informação e consciência. Parece-me que se trata de um problema de saúde pública. Não se trabalha com prevenção porque falta informação a este respeito. E é aqui que o diálogo entre a área de saúde e a da educação torna-se urgente. Não somente a troca de informações mas o preparo dos cuidadores, para começar com seus próprios corpos, para poderem lidar com os das crianças.
A este respeito lembro do movimento existente na Europa em que muitas escolas já têm médicos que trabalham na escola, em parceria com os educadores, olhando para os corpos físicos das crianças, suas dores e doenças sem perder de vista questões emocionais ou problemas de aprendizagem, diretamente relacionados com suas doenças. O trabalho não é somente curativo mas, sobretudo preventivo.
Estamos muito longe destas parcerias. O que fazer de imediato para não termos ainda várias gerações de crianças – e a cada vez em maior quantidade – doentes, arrastrando dores e má postura nos seus cotidianos? Veicular informação a este respeito parece-me essencial e criar diálogos intersetoriais e interdisciplinares. Afinal estamos todos os profissionais – professores, pediatras, terapeutas infantis, fisioterapeutas, psicopedagogos e outros cuidadores da infância, falando e pensando nas mesmas crianças, porém, olhando para elas de forma fragmentada.
Cito aqui a experiência inovadora e inspiradora que a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal vem desenvolvendo junto a alguns municípios, no sentido de olhar para o desenvolvimento infantil de crianças de 0 a 3 anos, focalizando as propostas de intervenções junto às famílias, as comunidades, as áreas de saúde (ginecologia, neuro-pediatras, pediatras e técnicos, enfermeiros e atendentes de pronto atendimentos ou de centros de vacinação); áreas de educação, assistência social e outros atores diretamente envolvidos com as crianças.
Comunicação, consciência e informação são essenciais, mas não se trata de jogar a responsabilidade nos outros. Cada um pode ir atrás destas e fazer o que estiver ao seu alcance. As crianças crescem e os seus corpos e suas psiques não aguardam.

Sugestão de leitura – 'Corpo, gesto e movimento' de André Trindade

10 de fev. de 2011

A invenção da Infância (Segunda parte)

RECREIO - tempo livre ou dirigido?

O TEMPO DO RECREIO NAS ESCOLAS

                ‘Recreio’ vem de recrear: renovar, reanimar, distrair, alegrar. O que está acontecendo nos recreios das escolas? Um tempo que deveria ser livre, um dos poucos momentos de autonomia que as crianças têm neste carrossel de obrigações, atividades e tarefas que a sociedade lhes impõe.
Uma pesquisa realizada em 2002 pela Escola de Medicina Albert Einstein nos Estados Unidos – onde o tempo do recreio está ficando a cada ano mais curto – junto a aproximadamente onze mil alunos da 3ª. série mostrou a importância do recreio para as crianças socializarem, brincarem e liberarem energia e, assim, terem melhor desempenho escolar. Porém, um movimento contrário está acontecendo nos Estados Unidos: os castigos por mau comportamento proíbem a saída para o recreio e as crianças acabam ficando presas e, portanto, mais agressivas e revoltadas.
O que acontece hoje em muitas das nossas escolas? Ao mesmo tempo em que a consciência da importância do tempo do brincar cresce, dependendo da forma como ele for proposto, pode ser também contraproducente. Explico: está havendo um movimento de escolas que, argumentando que as crianças de hoje não sabem brincar, estão propondo atividades dirigidas no tempo do recreio. Não será que dessa forma, mais uma vez, tolhemos a autonomia e deixamos as crianças sem voz, sem liberdade para ‘respirar’, para fazerem o que tiverem vontade? Não é porque as crianças na hora do recreio não estão brincando daquilo que nós adultos achamos que seja ‘adequado’, que elas não estejam tendo seu tempo lúdico. Ou seja, brincar na biblioteca, conversar ou contar piadas para os amigos, fofocar, olhar outras crianças, bater figurinhas, descansar, inventar jogos, correr, ficar à toa e até ler jornal – como ontem um menino de 12 anos me contou –; qualquer atividade em que as crianças possam ser crianças do jeito que queiram, vale!
O que está faltando é ficarmos menos diretivos, menos controladores e mais abertos para ouvir o que as crianças estão conversando, querendo, do que estão reclamando, que brincadeiras estão inventando. Está na hora de ficarmos mais atentos e abertos para suas inquietações, seus interesses e conhecer que novos mundos elas estão criando.
As crianças estão brincando quando têm autonomia. Deem uma espiada no Mapa do Brincar http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/mapadobrincar/ para conhecer como elas estão brincando por aí!

4 de fev. de 2011

A invenção da Infância (Primeira parte)

CENAS DA VIDA PÓS MODERNA

Venho trabalhando com pesquisas com crianças, ouvindo-as direta e indiretamente. Ando atenta às suas falas, desenhos, brincadeiras e mensagens. Crianças espertas, introvertidas, agitadas, tristes, gordinhas, curvadas, falantes, hipnotizadas nas suas telinhas e telonas. Na cidade, nas zonas rurais, no interior. No Brasil, na Argentina, na França, Itália ou Estados Unidos. 
Venho observando famílias em volta de mesas dos restaurantes, nas ruas, nos clubes ou shopping centers - as crianças cada uma com seu Videogame, Nintendo ou Ipad, o pai com seu Iphone, a mãe com seu Blackberry. Juntos e separados, cada um no seu mundo, viajando longe daquele espaço de encontro real: mais do que reunidos, separados. 
Crianças falando com mães e pais muito ocupados, sempre em outro lugar que não aquele. Ninguém presente no corpo a corpo. Todos presentes virtualmente conectados com alguém ou algo que está bem longe daqueles que estão fisicamente juntos. 
Quem não está em alguma rede virtual - Facebook, Orkut, etc. fica por fora. Redes que propiciam reencontros ao redor do mundo, emoções de rever? conversar, retomar vínculos antigos. Possibilidade de conhecer? e estabelecer novos vínculos. Inteirar-se, divulgar, encontrar sua tribo.
Hoje carregamos nossa vida e nosso trabalho em um aparelinho/brinquedinho que liga, escreve, fotografa, filma, grava, vira TV, nos lembra dos nossos compromissos, agendas; nos orienta e ao mesmo tempo nos desorienta; nos acorda, nos tira o sono, nos hipnotiza e controla nossas vidas.
Dirigimos e estamos conectados; comemos e estamos conectados; participamos de uma reunião em volta de uma mesa ou de uma aula, ou de uma palestra, e estamos conectados e desconcentrados;dormimos e estamos alertas - será que chegou mensagem? Porque ele não responde?
Na praia, no mar ou na montanha, seguimos conectados. Com quem? Com o que?
Se não é o Wii, é o Videogame, o Play Station 1, 2, 3, o XBox, Tv e jogos virtuais. Todos ocupam as vidas de tantas crianças - pequenas e grandes (sobretudo). Novos brinquedos, novas descobertas.
Venho me perguntando, me inquietando - que vínculos são esses que vêm se construindo? Ou desconstruindo? Todas as relações estão cada vez mais sendo mediadas por aparelhos, objetos e brinquedos que - ao mesmo tempo em que abrem possibilidades maravilhosas de comunicação e acesso a mundos e informações que há poucos anos seriam inimagináveis - separam, protegem(?), escondem ou expõem demais nossas vidas. Encontros reais, abraços, telefonemas, olho no olho, estão virando cada vez mais raros. 
Estamos atrapados sem saída? Observo crianças e adultos hipnotizadas, dependentes, ansiosos, hiperativos, distraídos. Estamos mais sós ou mais acompanhados? A qualquer hora e em qualquer lugar!
E por outro lado a possibilidade democrática do acesso a um magnífico universo de informações; a liberdade de expressão pessoal; a ampliação das redes de contatos; a possibilidade de engajamento em inúmeras causas e campanhas. Labirintos, descobertas, enfim, a COMUNICAÇÃO em pauta.
Novos 'brinquedos e brincadeiras', novas possibilidades?
Antigos anseios de sermos reconhecidos?
Onde vão parar nossas emoções e nossa profundidade?
Como estão se transformando as formas de nos relacionarmos?
Fico observando....
Fico me perguntando...
Que histórias nossos filhos vão contar sobre suas infâncias?

1 de fev. de 2011

Entrevista - ''Crianças brincam menos e ficam dependentes dos adultos e da tecnologia''

Para antropóloga, falta de tempo dos pais para o lazer e apelos de consumo levam ao abandono do tempo livre e das brincadeiras criativas

16 de janeiro de 2011 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo
Rodeadas de tecnologia e pais sem tempo para lazer, uma geração de crianças hoje cresce sem saber brincar, perdendo parte importante de sua formação. A opinião é da educadora e antropóloga Adriana Friedmann, uma das fundadoras da Aliança pela Infância, movimento que pretende levantar a discussão sobre a importância do brincar no cotidiano infantil. Para ela, apenas com o aumento das pesquisas científicas que mostrem efetivamente o efeito das brincadeiras no desenvolvimento das crianças será possível conscientizar uma parcela maior da sociedade.
O que você acha das iniciativas para resgatar as brincadeiras na infância?
Hoje há um grande movimento do brincar, que começou nos anos 1980 com pesquisas, publicações e implementação de brinquedotecas. O brincar foi parar nas leis e inúmeros educadores, pesquisadores, organizações e campanhas vêm adquirindo grande forca no resgate do brincar na vida das crianças. Porém, o desafio é grande pois agimos contra a corrente tecnológica e de incentivo ao consumo que toma o cotidiano das crianças. É por esse motivo que pesquisas têm sido tão importantes para mostrar o quanto o brincar é fundamental no desenvolvimento das crianças.
Por que a necessidade de criar um movimento para resgatar as brincadeira? As crianças hoje brincam menos?
As crianças hoje brincam cada vez menos, pois ficaram dependentes dos brinquedos e produtos tecnológicos que o mercado oferece e que os pais têm comprado, motivados mais pelo marketing que pela consciência de que esses produtos são adequados. Raramente vemos hoje pais e mães brincando com seus filhos. A vida corrida, falta de tempo de lazer e a invasão de smartphones, videogames e computadores estão transformando drasticamente os vínculos familiares e o tempo de lazer. Nas escolas, o tempo do recreio, o tempo livre sem atividades, está ficando cada vez menor ou mais direcionado. As crianças estão dependentes do direcionamento dos adultos e muitos afirmam que elas não sabem mais brincar.
Quais as consequências disso?
Há um perigo latente na geração que cresce sem ter brincado, pintado, dançado, criado. São crianças que estão pulando fases essenciais no seu desenvolvimento, fases que acabam sendo vivenciadas tardiamente na adolescência e na idade adulta. Os papéis dentro da família têm se invertido e muitas vezes crianças se tornam adultos precoces e os adultos continuam sendo crianças na meia idade, tanto do ponto de vista emocional, quanto no que se refere à adequação de interesses. Há uma grande crise de valores que já tem quase duas décadas e é urgente reencontrarmos possibilidades de reequilibrar essa situação na sociedade, tanto no que diz respeito às propostas voltadas para as crianças, quanto na orientação de educadores, cuidadores e pais, desde os bebês até o trabalho que deve ser realizado com adolescentes e adultos.

Qual o papel da Aliança pela Infância? Que tipo de ações desenvolve?
A Aliança pela Infância, integrada pelo movimento do brincar e por inúmeros indivíduos preocupados com a qualidade de vida das crianças, desenvolve e incentiva campanhas e projetos. A Aliança promove eventos, fóruns de discussão, incentiva ações em parceria com organizações e redes no sentido de resgatar a essência das crianças e o incentivo de infâncias saudáveis.